Casada com Harry, Meghan
Markle traz foco a negros e imigrantes
Por Carolina Huertas, Maria Clara Pereira
e Mariana Camargo
A divulgação do casamento entre o
príncipe Harry e a atriz americana Meghan Markle, em novembro de 2017, levantou
na Inglaterra um período de discussão a respeito de racismo e xenofobia.
Imigrante e biracial, como ela mesma se identifica, a futura Duquesa de Sussex
vem modernizando a família real e quebrando estereótipos enraizados. Além
disso, Markle é envolvida em questões de igualdade de gênero, feminista
declarada, além de embaixadora da World Vision Canada, instituição que busca
melhoria de vida para crianças carentes, e tanta revolução está incomodando
algumas pessoas.
Em fevereiro deste ano o casal recebeu
uma carta anônima que continha um pó branco e foi julgada pela polícia
britânica como “crime de ódio racista”. O conteúdo depois foi atestado como inofensivo,
mas a carta era uma mensagem racista direcionada à atriz, filha de negros, e
está sendo investigada pela polícia. Também está sendo averiguada a possível
conexão entre esse acontecimento e uma outra correspondência recebida pelo
Parlamento em 13 de fevereiro contendo um pó branco similar.
Para alguns fãs, a
reação de algumas pessoas pode ser ríspida e preconceituosa, mas eles acreditam
que a entrada dela na família real representa muita coisa e pode influenciar
relacionamentos internacionais. “O fato de ela ser multirracial pode mudar o
relacionamento dos britânicos com a questão das raças. O simbolismo de um
casamento real é poderoso, mas leva tempo para as coisas se alinharem” declarou
Beata Kovacs, húngara, de 33 anos, que tem uma conta no Instagram dedicada à
atriz.
Aqueles que
acompanhavam Harry antes do relacionamento também acreditam no lado positivo da
presença de Megan. Bretty
Service, estudante londrino de 21 anos, é administrador de um fã clube do
príncipe, e desde que soube da notícia do novo casal, criou uma um fã clube
para eles também. “Eu criei a página pois sou fã do Príncipe Harry e do trabalho
de caridade que ele faz. Meghan é uma dama moderna e isso será ótimo para a
família real, estou feliz por eles”, declarou o britânico.
A questão racial
Segundo uma matéria do portal
britânico The Debrief, em 2016, o Reino Unido começou a perceber
lentamente que tem um problema racial tão grande quanto os Estados Unidos.
Segundo eles, as abordagens são diferentes, porém o preconceito racial está
enraizado no sistema político, perspectivas de emprego, mobilidade social,
justiça criminal e sistema educacional.
Erik Goldstein,
especialista em política externa britânica e professor de relações
internacionais na Universidade de Boston vê o futuro casamento real como mais
um passo nessa luta por igualdade: “O lado biracial de Meghan dá um fundo
interessante para sua história pessoal, seu casamento pode mostrar que os
imigrantes realmente têm um lugar em todos os níveis da sociedade britânica”.
Sandy Lauren,
professora e estadunidense administra o @harry_meghan_updates, uma
página sobre notícias sobre Meghan no Instagram que tem mais de 68 mil
seguidores. Ao comentar sobre o racismo e a xenofobia, ela declarou vestir a
camisa dessa luta também. “O racismo e a xenofobia, infelizmente, não só
crescem na Grã-Bretanha, mas também nos EUA. É um pequeno grupo de pessoas
menos instruídas e tolerantes, rápidas de julgar e fáceis de manipular com base
em teorias conspiratórias. E é por isso que nós deixamos claro na página
que o bullying e o racismo não serão tolerados”, disse a jovem de 27 anos.
Goldstein tem uma
visão diferente do assunto, ele diz que “a família real sempre foi muito cosmopolita, o
marido da rainha era um cidadão grego, que se tornou cidadão britânico
naturalizado. Meghan Markle sendo uma americana não é uma questão tão relevante
já que ela está claramente trabalhando em aprender sobre a sociedade
britânica”.
A relação com o Brexit
O termo Brexit é
a junção das palavras em inglês Britain (Grã Bretanha) e exit
(saída) e surgiu para representar a saída do Reino Unido da União Europeia, o
que aconteceu em 23 de junho de 2016, após um referendo no qual 51,9% dos
britânicos votaram a favor do desligamento. O Reino Unido é formado por quatro
países: Escócia, Inglaterra, Irlanda do Norte e País de Gales, sendo que todos
eles são governados por um único sistema parlamentar.
O referendo era uma das
promessas do primeiro ministro David Cameron caso vencesse as eleições
parlamentares de 2015, devido à pressão crescente para que o projeto Brexit
fosse levado a voto popular.
A União Europeia
enfrenta tensões históricas com o Império Britânico desde sua origem. Os
ingleses sempre foram opostos ao bloco, não abraçam uma identidade europeia,
nunca adotaram o euro como moeda, defendem sua soberania, o controle de suas
fronteiras. Os mais nacionalistas chegam a defender que a UE passou a ter um
controle muito grande sobre suas vidas.
Com a saída do bloco,
abriram-se as negociações quanto ao mercado único europeu, que depende muito do
Reino Unido. O país quer continuar com os benefícios de não pagar tarifas e nem
impostos aos outros integrantes do bloco, porém não quer mais permitir o fácil
acesso a imigrantes. O mercado único, a livre circulação de pessoas e capitais,
são os pilares da economia europeia, e, mesmo sendo possível ter acesso a tudo
isso sem participar do bloco, os quatro países dependem de acordos internos a
serem assinados a seu favor, porém alguns governos se sentem na obrigação de
puní-los por sua saída. As novas negociações são complexas justamente por
envolverem tratados internacionais e acordos comerciais, e a previsão é de que
serão concluídas somente em 2020.
Uma das principais reivindicações dos
partidários do Brexit era uma nova política migratória com medidas mais
restritivas. O Reino Unido terá que acatar com algumas condições se quiser
continuar tendo acesso à zona econômica da UE, mas é inegável o aumento da
xenofobia após o referendo, que promete não afetar tanto os imigrantes da UE,
mas será mais repressor com aqueles que são de outros continentes. Em 2015, 2,7
milhões de cidadãos de países terceiros migraram para a UE, o questionamento
aberto agora é o que será desses que estão na Grã Bretanha.
Mesmo alguns especialistas como Goldstein
dizendo que “não há razão para esperar que a situação dos cidadãos não
britânicos se torne ‘pior’”, no primeiro mês após o Brexit, foram
registrados um total de 5.468 crimes de ódio
cometidos na Inglaterra contra moradores de outras descendências. Dentre as
vítimas estão principalmente homosexuais, asiáticos, negros e muçulmanos.
Muitos relatam que os ataques foram feitos por jovens. Esse fato apenas reitera
que não necessariamente as gerações mais novas têm comportamento receptivo com
os estrangeiros.
O preconceito na visão dos imigrantes
O evento da saída do Reino Unido da União
Europeia dividiu a opinião pública e causou um notável impacto na imigração.
Segundo a publicitária Sofia Trevisani, residente em Londres há 10 anos, a
questão é recebida de maneira diferente entre a população da capital e os
moradores do interior. “Aqui sempre existiu muita imigração, a gente vive com
gente de todo lugar, todos os dias. Então, é muito normal. Londres por exemplo,
tem um prefeito da esquerda muçulmano, porém você não iria ver a mesma situação
em cidades menores”, conta ela.
Sofia associa a figura de Meghan Markle
recebendo um título de nobreza a uma possível retomada nas discussões acerca
desse tópico. Segundo ela, o que mais chama atenção na população não é
necessariamente o fato de Meghan ser imigrante, mas sim de ser metade negra.
“Eu acho que o casamento está trazendo muita discussão acerca de imigração e
racismo (...) falta muita educação ao redor disso e eu acho que o casamento
deles vai começar uma conversa”, opina a publicitária.
Moradora da capital inglesa há 13 anos, a
babá e faxineira Neilda Barbosa acredita que um dos motivos que minimizou a
negação à Meghan foi o fato da americana ter uma boa condição financeira e não
pertencer a uma classe social baixa, o que levanta um novo questionamento:
seria o preconceito não só racial, como também social?
Neilda também afirma já ter sido vítima
de xenofobia em um ponto de ônibus. Segundo ela, um nativo que não compreendeu
o que ela havia dito por conta do sotaque a chamou de indigna por não conseguir
se fazer entender.
Já a freelancer Renata Martins, que mora
em Londres desde 2000, afirmou ter uma ótima convivência com os cidadãos
ingleses no geral. “Como imigrante nunca passei por nenhuma situação de
preconceito, pelo contrário, sempre fui bem recebida e hoje tenho grandes
amizades com outros estrangeiros e ingleses”, ela diz. Segundo Renata, tudo
depende da localização, pois a recepção tende a ser bem mais agradável na
região sul do país. “No norte da Inglaterra ainda existe muito preconceito pelo
fato de ter menor quantidade de imigrantes. Em geral no norte da Inglaterra o
nível de educação é mais baixa”, explica ela.
Até setembro de 2016 foram registrados na
Inglaterra 240 mil pedidos de residência permanente por cidadãos europeus, e
até o final do mesmo ano, 90 mil ainda não haviam sido processados. A
justificativa dada sobre a demora no atendimento dessa demanda é que essa
lentidão ocorre devido a sobrecarga dos funcionários responsáveis pelo
processo. Sofia considera a situação problemática devido ao número excessivo de
pessoas que querem migrar para o país, já que segundo ela isso sempre foi um
problema. A maneira que a direita encontrou de solucionar esse contratempo foi
tomando atitudes extremas, sustentadas pelo voto da população que carrega um
perfil majoritariamente tradicional e muitas vezes retrógrado. A opção acatada
para solucionar a situação resultou no sucesso do controle de imigrantes, mas
refletiu diretamente na segurança da população, que ficou sujeita a sofrer
ataques fundamentados em pensamentos fascistas e orquestrados por uma parcela
xenofóbica da nação.
É de se esperar que o próximo casamento
real levante algum tipo de discussão em relação a esses temas polêmicos.
Meghan, que se afastou da carreira de atriz, tem se mostrado interessada em
participar de projetos filantrópicos, o que pode resultar na maior participação
dela em questões sociais voltadas à população britânica. Essa
representatividade trazida pela futura Duquesa de Sussex é pertinente ao
momento atual vivido pela Inglaterra e pode ser a esperança de muitos
imigrantes e negros que vêem nela uma chance de assegurar maior realce nas
pautas referentes à imigração, crimes de ódio, xenofobia e racismo no cenário
futuro do país.