quinta-feira, 29 de novembro de 2018

A vida de quem vive a morte


Por Maria Clara Pereira e Mariana Camargo


Profissionais da saúde que se dedicam a cuidados paliativos enfrentam dificuldades no Brasil


Mariane Oliveira, de 34 anos, trabalha com cuidados paliativos desde 2013. Intensivista e paliativista no hospital Villa Lobos, ela afirma ter sido escolhida pela área, e não o contrário. Quando menos esperava, teve que cuidar de um garoto de 18 anos com morte encefálica. Teve que aprender correndo sobre o assunto para lidar com a família do rapaz. “Foi aí que começou o encantamento de cuidar de um morto, para ele dar a vida a outros que estavam na fila de transplante”, conta a médica, empolgada, sentada no escritório da sua casa em Interlagos, no sul de São Paulo, demonstrando todo o seu fascínio pelos cuidados paliativos.


Lidar com a família do paciente sempre foi uma dificuldade para Mariane. Até que percebeu a necessidade de se aprofundar e melhorar nesse quesito. “Você tem que olhar a família, a família faz muito parte do cuidar”, salienta. Segundo a intensivista, que se formou em 2005, cuidados paliativos nunca foram abordados durante a faculdade, ela só foi se aprofundar no assunto durante sua pós graduação em 2017. No hospital em que trabalha não existe uma equipe especializada em cuidados paliativos, o que é fundamental para quem trabalha com UTI, e isso acaba fazendo com que ela e outros médicos que entendem do assunto preparem a equipe durante o próprio trabalho. “É muito mirim o que a gente tem ainda, porque é desconhecido e as pessoas acham muito que é terminalidade. Você tem que acolher todo mundo. Não pode desistir, tem que ir ensinando, conversando, que vai mudando a cabeça”. 


Um profissional paliativista deve se preocupar em atender as necessidades do paciente e de sua família, abrangendo as dimensões físicas, emocionais, sociais, espirituais e familiares. “O cuidado paliativo não é uma abordagem de doença, ele é uma abordagem muito maior. O diferencial é esse olhar holístico, de ir além da doença e englobar família, religiosidade, e o que mais for importante para o paciente”, afirma Mariane.


Historicamente, o cuidado paliativo surgiu em 1947, na Inglaterra, mas só foi definido conceitualmente pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1990. Consiste na assistência promovida por uma equipe multidisciplinar, que objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e seus familiares, diante de uma doença que ameace a vida, por meio da prevenção e alívio do sofrimento, da identificação precoce, avaliação impecável e tratamento de dor e demais sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais.


No Brasil, de acordo com levantamento recente realizado pela Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), existem em torno de 150 equipes especializadas em cuidados paliativos para mais de cinco mil hospitais espalhados pelo país. 


Por se tratar de um cuidado integral, é necessário uma equipe de profissionais da saúde capacitados para proporcionar esse tipo de tratamento aos pacientes, desde médicos até fonoaudiólogos, visando atender cada desconforto que possa surgir. “O cuidado paliativo envolve uma equipe multiprofissional. Quando a equipe não conhece, o trabalho se torna muito difícil, porque não sabem manejar, não sabem cuidar do sofrimento. Eu vejo muitos pacientes sofrendo e eu acabo sofrendo também, porque não consigo fazer meu trabalho sozinha”, conta Victoria Garcia, psicóloga hospitalar e paliativista no Hospital Maternidade Metropolitano, na unidade Lapa.


Victoria tem apenas quatro anos de formada em Psicologia e já se especializou em cuidados paliativos ao enxergar a necessidade desse tipo de abordagem dentro do hospital. A psicóloga conta que a morte nunca foi um tabu para ela, mas que muitas vezes sua própria família chega a ficar assustada com a naturalidade com que ela trata do assunto. Durante a entrevista no terraço de um café no centro de São Paulo,  foi perceptível a naturalidade com que Victoria conduziu a conversa, realmente deixando o assunto considerado denso fluir de maneira muito leve.


A morte nos países latinos ainda é um tabu muito grande, as pessoas a temem e querem fazer de tudo para que seu ente querido não chegue até ela, por isso o cuidado paliativo ainda é incipiente na região. Muitas pessoas, até mesmo da área da saúde, veem esse tipo de tratamento como última opção, como algo terminal, quando já não se tem mais o que fazer, o que acaba dando sobrevida e não qualidade de vida ao doente. “As pessoas não entendem que é uma qualidade de vida no período que o paciente tiver. É fundamental prezar pela qualidade de vida de qualquer paciente, em qualquer condição”, afirma Daniela Masi, psicóloga no Hospital Nossa Senhora de Fátima, em Osasco. 


Daniela nos recebeu em sua sala, no Hospital Nossa Senhora de Fátima, local considerado por ela insuficiente para atender os pacientes como gostaria, de maneira mais pessoal e intimista. A franja loira por cima da maquiagem impecável escondia, às 9h da manhã, a correria pela qual já havia passado tão cedo. A psicóloga de 37 anos também atende pacientes com ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica) em home care e enfatiza a necessidade de fornecer qualidade de vida ao paciente, atender aos seus desejos, mesmo que sejam pequenos, como aproveitar o sol no terraço com seus gatos. 


Esse tipo de tratamento se faz cada vez mais necessário em países onde as principais causas de morte são doenças crônicas, como câncer, diabetes, distúrbios respiratórios e doenças cardiovasculares, pois se tratam de doenças que progridem ao decorrer da vida, e também devido ao crescente envelhecimento da população. 


Segundo levantamento, realizado pelo The Economist, sobre a qualidade de morte ao redor do mundo, em 2015, dos 80 países citados, o Brasil está em 42º melhor país para se morrer. Levando em conta a quantidade de pessoas que morreram que poderiam ter sido paliadas dados os recursos do país, o Brasil tem 0,3% de capacidade de proporcionar esse tipo de cuidado a um paciente, diferente de países como Reino Unido, Estados Unidos e Austrália, que são referência nesse assunto. “É muito trabalho de formiguinha, porque tem muito a ver com ética e cultura. A população latina é muito apegada com vida, com coração batendo, mas esse pensamento precisa mudar. É vida de que jeito? Até que ponto?”, critica Mariane.


Diferente do que muitos pensam, o cuidado paliativo não é só para pacientes terminais, mas sim para qualquer paciente que tenha uma doença grave. Uma pessoa que nasce com uma doença, por exemplo, deveria ser paliada desde a infância, tratando pequenas infecções e podendo escolher até onde ir com o tratamento, garantindo a sua qualidade de vida. O cuidado paliativo é sobre o paciente poder dizer até onde o tratamento curativo pode ir, poder programar toda sua terapia, dizer o que quer e o que não quer, e ter um suporte para tudo isso, inclusive para dar apoio à sua família. “O cuidado paliativo é você permitir à pessoa escrever a sua biografia, com o que ela está disposta a passar, o que aceita até o último suspiro da vida dele. É pensar o que é importante, o que toleraria, que tipo de sofrimento”, destaca Mariane.


Como se distanciar?

Daniela confessa que por muitos anos fez terapia para aprender a lidar e separar os problemas de seus pacientes dos seus próprios, que, muitas vezes, vão de encontro uns aos outros por se assimilarem, e outras, são histórias muito pesadas que acabavam a consumindo. 


A psicóloga conta que o trajeto do hospital até sua casa ainda é um momento de certa tensão. O caminho é longo, o trânsito na capital é intenso e as histórias dos pacientes ainda estão frescas na memória. Esses itens, quando juntos, criam nela um sentimento inevitável de agitação. Hoje, a psicóloga percebeu que a melhor forma para ela se desligar do trabalho é deitar no sofá com seus cachorros e assistir a um filme. “Às vezes tem alguns casos que eu fico pensando, mas não é um pensar que me desgasta, é um pensar porque eu sou humana e fico preocupada, mas não me consome mais quando eu consigo me desligar”.


Já Mariane acredita que por trabalhar em UTI, o ritmo intenso não lhe dá tempo para lidar com o processo de luto, por isso ela se diz já acostumada com a morte em si. “Um paciente aqui morreu, mas o do lado está ali e precisa de atenção. É um processo natural, a rotina te ensina”. 


Victória tem em sua rotina muito em comum com Daniela. Ela também cita que fazer terapia, passear com o cachorro e assistir a filmes e séries são uma boa solução para aliviar a mente das situações delicadas e temas abordados no dia a dia de uma paliativista.


Planejando o fim

Trabalhar na área de cuidados paliativos torna inelutável a autorreflexão a respeito da morte. Ao se deparar tantas vezes com a divergência de interesses entre pacientes e suas famílias, Daniela e Victória têm suas vontades a respeito do futuro muito bem estabelecidas, e no caso de Daniela, até documentadas.


“As pessoas falavam: “Nossa, você é louca né? Como é que você tem prazer em falar da morte?” Eu tenho. Eu falo assim: “Eu gosto de preparar a pessoa pra morte”, mas quem sou eu pra preparar, né? Eu não tenho medo de morrer, nenhum. Gostaria antes de ter filho, de fazer algumas coisas que eu ainda não fiz, mas assim, não tenho medo de morrer. Tenho um testamento vital, que é o que eu quero que faça se eu adoecer. Quero entrar em paliativo, isso eu já deixei registrado em cartório, minha família tem que respeitar. Mas assim, foi atuando que eu vi que eu gosto muito”, diz a psicóloga Daniela, sobre o seu futuro.


“Quando eu falo lá em casa: “Ah, mas se acontecer alguma coisa comigo?” Meus pais já falam “Ah Deus ô livre! Não fala!”. Mas gente, e se acontecer, né? Eu não sei né, vai que acontece alguma coisa. Eu não confio na minha família para decidir esse tipo de coisa, é colocar uma responsabilidade muito grande nas mãos deles né? Mas eu vivo conversando… Todo mundo que me conhece já sabe o que eu quero e o que eu não quero, todo mundo já sabe. Inclusive meus pais, meu noivo, todo mundo. Mas eu… eu sou filha única, se acontecer um negócio desses com o meus pais, eu não faço a menor ideia do que eles querem”,  conclui a psicóloga Victória, assertivamente.




quarta-feira, 16 de maio de 2018

Casamento real gera debate sobre imigração no Reino Unido

Casada com Harry, Meghan Markle traz foco a negros e imigrantes

Por Carolina Huertas, Maria Clara Pereira e Mariana Camargo

A divulgação do casamento entre o príncipe Harry e a atriz americana Meghan Markle, em novembro de 2017, levantou na Inglaterra um período de discussão a respeito de racismo e xenofobia. Imigrante e biracial, como ela mesma se identifica, a futura Duquesa de Sussex vem modernizando a família real e quebrando estereótipos enraizados. Além disso, Markle é envolvida em questões de igualdade de gênero, feminista declarada, além de embaixadora da World Vision Canada, instituição que busca melhoria de vida para crianças carentes, e tanta revolução está incomodando algumas pessoas.
Em fevereiro deste ano o casal recebeu uma carta anônima que continha um pó branco e foi julgada pela polícia britânica como “crime de ódio racista”. O conteúdo depois foi atestado como inofensivo, mas a carta era uma mensagem racista direcionada à atriz, filha de negros, e está sendo investigada pela polícia. Também está sendo averiguada a possível conexão entre esse acontecimento e uma outra correspondência recebida pelo Parlamento em 13 de fevereiro contendo um pó branco similar.
Para alguns fãs, a reação de algumas pessoas pode ser ríspida e preconceituosa, mas eles acreditam que a entrada dela na família real representa muita coisa e pode influenciar relacionamentos internacionais. “O fato de ela ser multirracial pode mudar o relacionamento dos britânicos com a questão das raças. O simbolismo de um casamento real é poderoso, mas leva tempo para as coisas se alinharem” declarou Beata Kovacs, húngara, de 33 anos, que tem uma conta no Instagram dedicada à atriz.
Aqueles que acompanhavam Harry antes do relacionamento também acreditam no lado positivo da presença de Megan. Bretty Service, estudante londrino de 21 anos, é administrador de um fã clube do príncipe, e desde que soube da notícia do novo casal, criou uma um fã clube para eles também. “Eu criei a página pois sou fã do Príncipe Harry e do trabalho de caridade que ele faz. Meghan é uma dama moderna e isso será ótimo para a família real, estou feliz por eles”, declarou o britânico.

A questão racial
            Segundo uma matéria do portal britânico The Debrief, em 2016, o Reino Unido começou a perceber lentamente que tem um problema racial tão grande quanto os Estados Unidos. Segundo eles, as abordagens são diferentes, porém o preconceito racial está enraizado no sistema político, perspectivas de emprego, mobilidade social, justiça criminal e sistema educacional.
Erik Goldstein, especialista em política externa britânica e professor de relações internacionais na Universidade de Boston vê o futuro casamento real como mais um passo nessa luta por igualdade: “O lado biracial de Meghan dá um fundo interessante para sua  história pessoal, seu casamento pode mostrar que os imigrantes realmente têm um lugar em todos os níveis da sociedade britânica”.
Sandy Lauren, professora e estadunidense administra o @harry_meghan_updates, uma página sobre notícias sobre Meghan no Instagram que tem mais de 68 mil seguidores. Ao comentar sobre o racismo e a xenofobia, ela declarou vestir a camisa  dessa luta também. “O racismo e a xenofobia, infelizmente, não só crescem na Grã-Bretanha, mas também nos EUA. É um pequeno grupo de pessoas menos instruídas e tolerantes, rápidas de julgar e fáceis de manipular com base em teorias conspiratórias.  E é por isso que nós deixamos claro na página que o bullying e o racismo não serão tolerados”,  disse a jovem de 27 anos.
Goldstein tem uma visão diferente do assunto, ele diz que “a família real sempre foi muito cosmopolita, o marido da rainha era um cidadão grego, que se tornou cidadão britânico naturalizado. Meghan Markle sendo uma americana não é uma questão tão relevante já que ela está claramente trabalhando em aprender sobre a sociedade britânica”.

A relação com o Brexit
O termo Brexit é a junção das palavras em inglês Britain (Grã Bretanha) e exit (saída) e surgiu para representar a saída do Reino Unido da União Europeia, o que aconteceu em 23 de junho de 2016, após um referendo no qual 51,9% dos britânicos votaram a favor do desligamento. O Reino Unido é formado por quatro países: Escócia, Inglaterra, Irlanda do Norte e País de Gales, sendo que todos eles são governados por um único sistema parlamentar.
O referendo era uma das promessas do primeiro ministro David Cameron caso vencesse as eleições parlamentares de 2015, devido à pressão crescente para que o projeto Brexit fosse levado a voto popular.
A União Europeia enfrenta tensões históricas com o Império Britânico desde sua origem. Os ingleses sempre foram opostos ao bloco, não abraçam uma identidade europeia, nunca adotaram o euro como moeda, defendem sua soberania, o controle de suas fronteiras. Os mais nacionalistas chegam a defender que a UE passou a ter um controle muito grande sobre suas vidas.
Com a saída do bloco, abriram-se as negociações quanto ao mercado único europeu, que depende muito do Reino Unido. O país quer continuar com os benefícios de não pagar tarifas e nem impostos aos outros integrantes do bloco, porém não quer mais permitir o fácil acesso a imigrantes. O mercado único, a livre circulação de pessoas e capitais, são os pilares da economia europeia, e, mesmo sendo possível ter acesso a tudo isso sem participar do bloco, os quatro países dependem de acordos internos a serem assinados a seu favor, porém alguns governos se sentem na obrigação de puní-los por sua saída. As novas negociações são complexas justamente por envolverem tratados internacionais e acordos comerciais, e a previsão é de que serão concluídas somente em 2020.
Uma das principais reivindicações dos partidários do Brexit era uma nova política migratória com medidas mais restritivas. O Reino Unido terá que acatar com algumas condições se quiser continuar tendo acesso à zona econômica da UE, mas é inegável o aumento da xenofobia após o referendo, que promete não afetar tanto os imigrantes da UE, mas será mais repressor com aqueles que são de outros continentes. Em 2015, 2,7 milhões de cidadãos de países terceiros migraram para a UE, o questionamento aberto agora é o que será desses que estão na Grã Bretanha.
Mesmo alguns especialistas como Goldstein dizendo que “não há razão para esperar que a situação dos cidadãos não britânicos se torne ‘pior’”, no primeiro mês após o Brexit, foram registrados um total de 5.468 crimes de ódio cometidos na Inglaterra contra moradores de outras descendências. Dentre as vítimas estão principalmente homosexuais, asiáticos, negros e muçulmanos. Muitos relatam que os ataques foram feitos por jovens. Esse fato apenas reitera que não necessariamente as gerações mais novas têm comportamento receptivo com os estrangeiros.

O preconceito na visão dos imigrantes
O evento da saída do Reino Unido da União Europeia dividiu a opinião pública e causou um notável impacto na imigração. Segundo a publicitária Sofia Trevisani, residente em Londres há 10 anos, a questão é recebida de maneira diferente entre a população da capital e os moradores do interior. “Aqui sempre existiu muita imigração, a gente vive com gente de todo lugar, todos os dias. Então, é muito normal. Londres por exemplo, tem um prefeito da esquerda muçulmano, porém você não iria ver a mesma situação em cidades menores”, conta ela.
Sofia associa a figura de Meghan Markle recebendo um título de nobreza a uma possível retomada nas discussões acerca desse tópico. Segundo ela, o que mais chama atenção na população não é necessariamente o fato de Meghan ser imigrante, mas sim de ser metade negra. “Eu acho que o casamento está trazendo muita discussão acerca de imigração e racismo (...) falta muita educação ao redor disso e eu acho que o casamento deles vai começar uma conversa”, opina a publicitária.
Moradora da capital inglesa há 13 anos, a babá e faxineira Neilda Barbosa acredita que um dos motivos que minimizou a negação à Meghan foi o fato da americana ter uma boa condição financeira e não pertencer a uma classe social baixa, o que levanta um novo questionamento: seria o preconceito não só racial, como também social?
Neilda também afirma já ter sido vítima de xenofobia em um ponto de ônibus. Segundo ela, um nativo que não compreendeu o que ela havia dito por conta do sotaque a chamou de indigna por não conseguir se fazer entender.
Já a freelancer Renata Martins, que mora em Londres desde 2000, afirmou ter uma ótima convivência com os cidadãos ingleses no geral. “Como imigrante nunca passei por nenhuma situação de preconceito, pelo contrário, sempre fui bem recebida e hoje tenho grandes amizades com outros estrangeiros e ingleses”, ela diz. Segundo Renata, tudo depende da localização, pois a recepção tende a ser bem mais agradável na região sul do país. “No norte da Inglaterra ainda existe muito preconceito pelo fato de ter menor quantidade de imigrantes. Em geral no norte da Inglaterra o nível de educação é mais baixa”, explica ela.
Até setembro de 2016 foram registrados na Inglaterra 240 mil pedidos de residência permanente por cidadãos europeus, e até o final do mesmo ano, 90 mil ainda não haviam sido processados. A justificativa dada sobre a demora no atendimento dessa demanda é que essa lentidão ocorre devido a sobrecarga dos funcionários responsáveis pelo processo. Sofia considera a situação problemática devido ao número excessivo de pessoas que querem migrar para o país, já que segundo ela isso sempre foi um problema. A maneira que a direita encontrou de solucionar esse contratempo foi tomando atitudes extremas, sustentadas pelo voto da população que carrega um perfil majoritariamente tradicional e muitas vezes retrógrado. A opção acatada para solucionar a situação resultou no sucesso do controle de imigrantes, mas refletiu diretamente na segurança da população, que ficou sujeita a sofrer ataques fundamentados em pensamentos fascistas e orquestrados por uma parcela xenofóbica da nação.

É de se esperar que o próximo casamento real levante algum tipo de discussão em relação a esses temas polêmicos. Meghan, que se afastou da carreira de atriz, tem se mostrado interessada em participar de projetos filantrópicos, o que pode resultar na maior participação dela em questões sociais voltadas à população britânica. Essa representatividade trazida pela futura Duquesa de Sussex é pertinente ao momento atual vivido pela Inglaterra e pode ser a esperança de muitos imigrantes e negros que vêem nela uma chance de assegurar maior realce nas pautas referentes à imigração, crimes de ódio, xenofobia e racismo no cenário futuro do país.

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Elas nos trilhos

Quem são e como é a rotina das mulheres que conduzem os trens do metrô de São Paulo


Por Larissa Martin e Maria Clara Pereira

Sheila Sordi, 28 anos, usa óculos de grau por cima dos olhos castanhos, tem cabelo na altura dos ombros, está sempre sorrindo, é mãe do Fernando Sordi, 9 anos, e operadora de trem no metrô de São Paulo nos trechos Vila Prudente e Vila Madalena da linha 2-verde. Fazia faculdade de arquitetura, porém não terminou e nunca trabalhou na área. Começou o emprego no Metrô devido ao seu interesse pela área, já que seu marido é agente de segurança na estação. Sheila gosta muito do que faz atualmente. Em sua casa, moram ela, o filho e o esposo, Marcelo Otávio da Silva, 35 anos. A família possui uma rotina diferente da comum: tomam café e almoçam juntos, após o almoço o filho vai para a aula e os pais vão juntos ao trabalho, os quais voltam cedo no outro dia e a criança fica com a irmã de Sheila para que consigam conciliar os horários de trabalho.
Sheila trabalha no Metrô paulistano há seis anos e como operadora de trem há dois. Enquanto conta de seu cargo, sorri feliz, confiante: “Tenho orgulho da profissão, pois interajo diariamente com o dia a dia da cidade, transportando seus moradores, trabalhadores e turistas”. Quando entrou na empresa, trabalhou três anos realizando atividades gerais (cargo chamado de "quatro horas" na empresa) e depois desse tempo prestou um concurso interno e conseguiu ser promovida, assumindo o cargo de condutora de trens em período integral de segunda a sexta-feira.
Cynthia Macedo, 30 anos, é loira, usa uma bandana vermelha no cabelo, brincos grandes de argola e seu batom vermelho é bem destacado. Também é operadora de trem. Formou-se em publicidade e propaganda, mas nunca exerceu a profissão. Desde o primeiro ano da faculdade trabalha no Metrô. Como não estava conseguindo estágio na área em que estudava e tinha amigos na empresa, resolveu prestar o concurso e passou. Trabalhou durante seis anos na estação República, até que decidiu prestar o concurso interno e se promover a condutora de trens na linha verde.
Enquanto trabalhava como “quatro horas”, Cynthia fazia de tudo na estação. Ela conta que uma vez chegou até a presenciar um parto na estação República: “Minha amiga que trabalha na segurança que fez o parto”. Sua atual função também implica diversas responsabilidades como manutenção dos trens, levá-los para seus respectivos blocos, sanar falhas, inspecioná-los e prepará-los para que sejam limpos e aptos a serem utilizados.
Cynthia mora com os pais e está há nove anos no Metrô, sendo três desses como condutora de trens. Os pais são metalúrgicos aposentados e sempre a incentivaram a trabalhar na empresa. “Todas as apostilas que eu recebi de treinamento meu pai lia e estudava comigo”, conta. Assim como o marido de Sheila, o namorado de Cynthia também trabalha no Metrô. Ela afirma que a profissão exige muita atenção o tempo todo: alguém que passa mal no vagão e precisa que pare o trem, alguém que precisa de mais tempo para embarcar devido a pouca mobilidade do indivíduo e tem de manter as portas abertas, os embriagados em datas comemorativas, os SMS denúncia que são repassados para o condutor, entre outros. “Já pediram minha ajuda algumas vezes pelo vidro da cabine”, completou.


Hoje em dia, são dezenas de mulheres que operam trens e metrôs e destacam-se no cargo. Ao contrário de antigamente, quando muitos usuários (inclusive do sexo feminino) sentiam certo preconceito em serem conduzidos por mulheres e achavam que uma mulher não seria capaz de exercer tais atividades, consideradas para “macho”. E elas provam diariamente a todos o contrário. Sheila conta que o preconceito hoje em dia está mais vedado: “O usuário preconceituoso quando vê que é uma mulher pilotando, apenas disfarça e não entra no carro”.  Cynthia acrescenta: “Sempre tem alguém que pergunta se sou eu que vou levar o trem”.
Nos últimos 50 anos, as mulheres têm ganhado força total quando o assunto é mercado de trabalho e os avanços das leis trabalhistas permitiram tal crescimento dessa mão de obra. Em 2007, as mulheres representavam 40,8% do mercado formal de trabalho, já em 2016, passaram a ocupar 44% das vagas. O desemprego causado pela atual crise do Brasil afetou menos as mulheres nos últimos 5 anos do que os homens, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), entre 2012 e 2016, o total de homens empregados sofreu redução de 6,4% contra 3,5% das mulheres. A renda das trabalhadoras também está ganhando destaque no cenário atual: 40% dos lares familiares possuem uma mulher liderando a renda da família. 
No metrô, antigamente somente homens conduziam os trens, até que, em 1986, houve votações internas para decidir se as mulheres também teriam direito de exercer a profissão. A empresa colocou inicialmente 20 mulheres num treinamento de 6 meses, o qual diria se elas estariam aptas ao cargo. Dessas 20, três conquistaram o cargo e passaram a ser as primeiras operadoras do metrô paulistano e do mundo. Hoje, em São Paulo, são 189 mulheres operadoras de trens, representando 18% dos profissionais. Em Salvador, esse dado chega a 20%, maior porcentagem de operadoras do país.
Logo após essa grande conquista, foram admitidas, em 1989, mulheres na operação de ônibus e guinchos na ex-CMTC, empresa municipal que operava ônibus na cidade de São Paulo. Depois disso, vieram as agentes de trânsito da CET e a partir daí não pararam mais. Essas conquistas todas das mulheres resultaram também na queda do índice de reclamações das empresas pela metade, além da redução de acidentes recorrentes de trânsito e de trens.

Sheila e Cynthia pretendem continuar suas carreiras no metrô, pois enxergam a oportunidade de conduzir trens como um avanço. Elas garantem que o local é muito bom para trabalhar e que a equipe é unida e os colegas são extremamente prestativos. Uma equipe predominantemente masculina, porém, isso não as abala, pois mesmo elas sendo a pequena porcentagem feminina sabem de seus potenciais e garantem: a mulher tem a mesma capacidade de realizar tais atividades e se orgulham disso. 

segunda-feira, 29 de maio de 2017

Inimigo invisível

Cada vez mais jovens recorrem a medicamentos contra transtornos psicológicos

Por Maria Clara Pereira e Mariana Camargo

     A sociedade contemporânea vive sob a exigência de se alcançar o modelo ideal o mais rápido possível. Porém, a busca incessante pelo padrão de beleza e inteligência podem trazer sérias consequências, como o desenvolvimento de transtornos psicológicos, o que leva muitos jovens a recorrer a remédios psicotrópicos para controlar tais doenças. Segundo o Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC), de 2009 a 2014 houve um aumento de 161% no fornecimento de medicamentos controlados no país.

Os sintomas

     Segundo pesquisa realizada em 2016 pelo ERICA (Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes), um em cada três dos adolescentes brasileiros sofre de transtornos mentais comuns (TMC), caracterizados por tristeza frequente, dificuldade para se concentrar ou para dormir, falta de disposição para tarefas do dia a dia, entre outros sintomas. Quando não tratados, esses podem evoluir para distúrbios mais sérios, como a depressão.
     A adolescência é marcada por excesso de transformações, associado a isso as pressões impostas pela sociedade (padrão de beleza, notas boas, escolha de uma profissão), e até mesmo pelos pais, pode desencadear na manifestação de diagnósticos de transtornos mentais. A psicóloga Bruna Garcia, 27 anos, concorda “é a associação de vários fatores que propiciam o desenvolvimento de um transtorno mental, e os padrões impostos pela sociedade fazem parte do ambiente em que vivemos, portanto é uma fonte de influência de peso significativo, principalmente para os adolescentes”.

O aumento no consumo

    Segundo dados da Secretaria Municipal da Saúde, a quantidade de usuários de medicamentos psicotrópicos em São Paulo teve um aumento de 47% entre 2010 e 2014. O estudante de ciências políticas Fernando Bernardo Júnior, 20 anos, fez uso de medicamentos durante cinco meses após ser diagnosticado com depressão e tendência suicida em 2011, mas diz que se sentiu melhor depois que voltou a ser atleta e parou de se medicar, “além de fortes efeitos colaterais (insônia, tontura, tremedeira, falta de apetite), a pior sensação era a de apatia a qual o remédio me induzia”.
     A alta no uso de tais medicamentos reflete maior conhecimento da doença e aumento de diagnósticos, mas também levanta o alerta de uso indevido desses, até por pessoas saudáveis que buscam aumentar o rendimento em atividades intelectuais. “O risco é a farmacodependência, além de efeitos colaterais como alteração do ritmo do sono, comprometimento da cognição, humor e pensamento prejudicados. O psiquiatra deve ser consultado para orientar tais medidas” afirma o psiquiatra Antônio Tornich.

O papel da família

     A estudante de ensino médio AP, 17 anos, pensa que “a falta de comunicação com os pais, a falta de liberdade, atrapalha muito”, quando na verdade o papel da família é totalmente o oposto ao lidar com um adolescente, seja ele doente ou não. “Para a família perceber se algo está acontecendo é essencial ter o diálogo. É estar junto, orientar e, a qualquer indício de que algo não esteja bem, buscar um auxílio profissional” acrescenta a psicóloga. 
     Muitas vezes família e amigos do paciente se negam a aceitar sua condição e dizem que é apenas para chamar atenção. Fernando afirma que “isso afeta negativamente aqueles que sofrem com esses problemas. Quando se é atacado dessa forma fica ainda mais difícil combater aquilo que te derruba”. Para combater esse tipo de opinião, Bruna recomenda a conscientização: “Quanto mais informações as pessoas obtiverem, elas terão mais discernimento, compreensão e entendimento, e assim, conseguirão desconstruir cada vez mais a imagem que lhes foi passada”.
     Deve-se lembrar que esses sintomas não devem ser ignorados e em hipótese alguma o paciente deve se automedicar. Os transtornos psicológicos devem ser tratados com auxílio de profissionais da área, os quais têm competência para conduzir um tratamento de maneira adequada, seja com sessões de terapia ou medicação correta. Só assim o paciente pode apresentar melhoras, sem correr risco de prejudicar sua própria saúde.

quarta-feira, 5 de abril de 2017

Diga não ao abuso

Número de mulheres que sofrem violência sexual em ambiente universitário é alarmante

Por Maria Clara Pereira e Mariana Camargo

Segundo pesquisa realizada em 2015 pelo Data Popular, 67% das alunas universitárias já sofreram algum tipo de violência no ambiente universitário, 28% foram vítimas de violência sexual, e 27% dos meninos não consideram violência tentar abusar da garota se ela estiver sob efeito de álcool. 73% dos estudantes conhecem casos de alunas que já foram abusadas, o ambiente universitário estimula a estrutura patriarcal ao manter a tradição de que calouros devem obedecer e servir aos veteranos, ao cultivarem a cultura de cantar músicas ofensivas nos jogos universitários, ao ter professores homens em sua maioria, ao não dar voz às garotas, ao não apresentarem nenhuma resolução para tais problemas, mesmo sendo direito dos alunos recorrer à universidade.

Coletivos

É nesse contexto em que os coletivos feministas universitários ganham força. Diante de tantos relatos e nenhuma atitude tomada, as garotas resolveram se organizar para darem apoio umas as outras e conscientizarem as pessoas de que o corpo da mulher não é objeto de uso público. Na Faculdade de Medicina de Itajubá (FMIT) o coletivo existe há dois anos promovendo rodas de conversas para ajudar e orientar as estudantes, produzindo cartilhas de conscientização (sobre a Lei Maria da Penha, por exemplo), e contam também com a assistência de uma psicóloga e uma assistente social fornecidas pela Secretaria de Políticas Públicas Municipal.  
A aluna de medicina Julia Kalil, 19 anos, faz parte do coletivo da FMIT, e, segundo ela, a falta de atitude da faculdade faz com que até mesmo as meninas que não se consideram feministas acabem recorrendo ao coletivo em momentos de necessidade. Segundo os dados do Data Popular, 88% dos alunos e 95% das alunas compartilham da opinião de que a universidade deveria criar meios de punir os responsáveis por cometer violência contra mulheres na instituição. Julia acrescenta que o problema maior se dá por ser difícil mudar uma construção social já existente, mas que aos poucos mudanças são conquistadas. “De uma maneira geral, a gente têm conseguido avançar. A própria existência do coletivo já faz com que as meninas tenham mais coragem de se posicionar”.

Vítima

Após uma festa em uma república estudantil de Ouro Preto, Letícia Guisard, 20 anos, aluna de arquitetura na época, relata ter sido abusada por um veterano quando ainda era caloura. “Foi horrível, nunca pensei que alguém ia passar a mão em todas as partes do meu corpo sem eu querer. Essa é a pior situação: você não quer aquilo, você não está confortável com aquilo e a pessoa fica te forçando.” Mesmo após anos, Letícia diz que nunca teve coragem de contar para as amigas que moravam com ela o que aconteceu por não se sentir segura e ter medo do que poderia enfrentar, já que o ambiente na cidade é muito hierarquizado e machista.

                              Foto por Mariana Camargo

Que medidas tomar?

 A orientação é que se adote medidas legais independente do tipo de abuso sofrido, seja ele físico ou psicológico. A advogada Ana Paula Braga, 25 anos, recomenda que a vítima se dirija o quanto antes para uma delegacia de polícia (preferencialmente da mulher) e registre o boletim de ocorrência, pois somente com este ela poderá ser encaminhada para o Instituto Médico Legal (IML) para realizar os exames de corpo de delito e toxicológico. “São estas as provas que terão mais força na hora de condenar o agressor, e elas tendem a desaparecer muito rápido.” Embora a violência ocorra fora do campus, é de responsabilidade da instituição zelar por seus estudantes, as medidas variam se esta é pública ou particular.
Por ser uma forma de abuso tão naturalizada, as mulheres demoram a se dar conta da violência que sofreram, chegando até a aceitarem isso como consequência de seu abuso do álcool e/ou drogas, 42%das mulheres já sentiram medo de sofrer violência no ambiente universitário. Não são raras as vezes em que o agressor é próximo à vítima, podendo ser seu namorado, amigo ou até mesmo professor e usar de sua hierarquia para ameaçar a vítima caso esta queira puni-lo. “A rigor, uma passada de mão não consentida, um beijo forçado ou qualquer outro ato que envolva intimidade e teor sexual é considerado estupro”, segundo Ana Paula, e deve ser denunciado.